Não é só uma curtida

@tutinicola
4 min readJul 11, 2020

Há algumas semanas aconteceu uma mobilização, especialmente de mulheres, que se indignaram e comentaram sobre as fotos do Instagram de um certo cara milionário que publica fotos cercado por mulheres nuas ou de biquini. Em algumas, ele até mesmo apoia seu prato de comida ou copo de bebida sobre o corpo de uma mulher, tristemente reduzindo ela a móvel da sua casa.

Eu fiquei com muita vontade de me unir e compartilhar a minha indignação nas redes sociais. Porém, não queria e não quero aqui dar ainda mais visibilidade a esse cara. Apesar de ele ostentar um padrão de vida irreal, apesar das fotos com armas e todo o histórico dele com polêmicas com mulheres.

O problema não é (só) ele. O grande problema é que ainda tem gente que não vê problema.

Enquanto cenas como essa existirem, enquanto fotos de homens ostentando mulheres continuarem sendo publicadas, ainda vão ter caras idolatrando e invejando cenas como essa. Ainda vão ter tantas pessoas achando esse tipo de cena e foto comum, natural e carregando através de suas curtidas essa cultura machista. E já que ainda não está claro pra muita gente perceber o que tem de errado, tente imaginar o cenário inverso: você vê por aí, de forma constante, fotos de mulheres rodeada por homens pelados?

Quero trazer aqui uma reflexão do que esse tipo de foto ou atitude (porque também acontece na vida real) realmente representa: a objetificação da mulher e o que ela de fato gera.

Porque pra gente evoluir como seres humanos, precisamos algumas vezes adotar essa postura incômoda e nos questionar.

A Isabella D’Ercole, em reportagem da Revista Claudia resumiu muito bem a tradução do que é a objetificação em sua fala:

“É quando a pessoa é desumanizada. É a aparência dela, e somente isso, que a define. É uma demonstração de poder que mostra que o opressor possui direitos sobre o oprimido. A mulher, sexualizada, é objeto do homem e é seu dever satisfazê-lo, sem que a vontade dela seja consultada. Esse rompimento da conexão entre corpo e pessoa tem ligação direta com violência contra mulheres. Se é um objeto, e não uma pessoa, é possível quebrá-lo, abusar dele. Em última instância, relações de objetificação terminam em estupro e morte”.

Pode até parecer que é uma simples foto, uma simples curtida e que “a conta é dele e ele posta o que quiser”. Porém, todo mundo que é produtor de conteúdo tem responsabilidade sobre o que coloca ao mundo e como aquilo irá afetar as outras pessoas, para o bem, ou para o mal.

Como a Isabella diz, esse não é exatamente um conteúdo que agrega, que informa ou simplesmente entretém…esse tipo de foto forja um patamar que o homem tem que estar, idealiza uma masculinidade que não existe e que é repressiva, violenta, nociva para toda a sociedade, mas principalmente para as mulheres.

Se você desvia o olhar você é conivente. Se você curte, compartilha em grupos de WhatsApp, acha lindo, leva em frente, não vê problema…ainda mais.

Você está ajudando a reforçar essa lógica patriarcal e a manter esse estereótipo tão retrogrado… então, me desculpa, mas sim, você está sendo machista.

Conteúdos e atitudes como essa:

  • Naturalizam o assédio e a violência, ao enxergar a mulher como um estereótipo de corpo ideal, hipersexualiza, dociliza e trata como uma propriedade.
  • Reforçam a masculinidade tóxica, enraizada na educação de meninos que são ensinados a serem agressivos e dominantes desde cedo, seguir uma heterossexualidade compulsória e a não demonstrarem sentimentos.
  • Forjam um status e padrão irreal, de que pra ser o cara você precisa ter um monte de mulher pra exibir. Para outros homens legitimarem esse patamar estrutural, histórico e perpetuar ele através de falas e comportamentos machistas.
  • Mostra também o quanto você não ama, não admira e não respeita as mulheres na verdade. Pois a objetificação é um dos fatores de risco que leva a violência da mulher.
  • Cria uma vitrine de exposição corporal de mulheres doentia, que banaliza a mulher a essa posição de submissão e que encoberta pela justificativa de “vontade própria” e “liberdade”.
  • Cobra a manutenção de um padrão estético dessas mulheres que são sexualizadas e não se enxergam no lugar de opressão.

E tudo isso é representado por um termo…a misoginia, que nada mais é que o ódio, a aversão, a repulsa e o desprezo patológico contra as mulheres.

Para Márcia Tiburi, ​ele é o discurso de ódio especializado em construir uma imagem visual e verbal das mulheres como seres pertencentes ao campo do negativo.

Os homens não nascem objetificando as mulheres, não aprendem sozinhos. E muitas mulheres, também criadas nessa cultura demoram a se questionar sobre isso e em alguns casos acabam reféns de situações de submissão sem perceber, porém…

Como diz a frase de Milly Lacome: "Se você estiver atenta o mundo te avisará a todo instante: você é uma mulher".

Eu estou muito atenta, e você?

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Written by @tutinicola

Relações Públicas de formação, marketeira e Copywriter. Vivo da minha arte (de escrever) na praia.

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